Ilustradores das novas edições de Monteiro Lobato, publicadas pela FTD Educação, contam a experiência de dar forma aos já consagrados personagens do Sítio do Picapau Amarelo
“É desafiador e gratificante ilustrar algo tão icônico da minha infância. É instigante dar a minha cara para algo que já tem tantas caras”. Assim, Veridiana Scarpelli define sua experiência como ilustradora das obras de Monteiro Lobato. Veridiana foi a artista responsável pelas ilustrações da coleção Reinações de Narizinho (que chega para os leitores brasileiros pelas mãos da FTD Educação). Assim como ela, os profissionais que participaram das novas edições trouxeram um olhar diferente e contemporâneo para as conhecidas histórias do escritor. Todos são categóricos em dizer que, embora seja um enorme desafio, enveredar-se neste trabalho foi inesquecível.
Fido Nesti, por exemplo, passou por uma dupla provação: elaborar novas formas para as emblemáticas criaturas de Lobato e ilustrar a mesma obra que seu pai, Paulo Nesti, ilustrou na década de 1970. “Foi uma grande surpresa receber o convite para ilustrar A reforma da natureza, já que meu pai havia ilustrado o mesmo livro, enquanto eu ainda estava na barriga de minha mãe”, conta ele. Embora tenha um carinho especial por este título, Fido aponta O Saci e O Picapau Amarelo, como as obras mais marcantes de sua infância.
Personagens incríveis x personagens difíceis
No processo de criação, a busca de um novo olhar para referências bastante arraigadas no imaginário brasileiro trouxe para cada um dos artistas convidados a necessidade de rever a obra de Lobato, descobrir e redescobrir caminhos para retratar cenas, cenários ou objetos.
Carlo Giovani, reconhecido por seu trabalho com imagens tridimensionais, foi responsável pelas cenas de O museu da Emília, única peça teatral do escritor. Para ele, a relação da ilustração com a história deve ser a mais natural possível, tão importante quanto o texto. “É um segundo plano, uma interpretação do texto”, diz. Giovani afirma que para construir esse diálogo foi preciso transpor as imagens da época em que a obra foi escrita para os registros de hoje, ou seja, foi preciso fazer uma releitura para que personagens acompanhassem o passar do tempo. Nesse contexto, Tia Nastácia e Dona Benta foram para ele as figuras mais “trabalhosas”. “Lobato as descreve com detalhes em suas obras e o desafio é atualizar sem descaracterizar”, avalia.
Veridiana Scarpelli concorda: “É preciso ter um cuidado com a época na qual a obra está sendo apresentada, as avós de 60 anos hoje, por exemplo, não têm necessariamente cabelos brancos. No caso de Lobato, foi preciso repaginar sem descolar demais. Nastácia, para mim, foi ainda mais desafiadora porque considero a mais caricata, quis dar uma certa dignidade atual para ela”.
Já Daniloz, que recriou as ilustrações de Os doze trabalhos de Hércules, conta que a saída foi respeitar as descrições originais, levando em conta as principais versões ilustradas que encontrou, mas sem deixar de ser honesto com sua linguagem e seu estilo.
Zansky, que deu nova roupagem às cenas de O Picapau Amarelo, disse que seu objetivo era não deixar nada parecido com a série de TV, pois, segundo ele, alguns livros já trazem referências às características das personagens da série. O artista – que já ilustrou obras de Borges, Bioy Casares, Virginia Woolf e Marquês de Sade – teve um contato maior com a literatura de Lobato durante esse trabalho, para o qual leu cada título pelo menos três vezes. “Talvez tenhamos a ideia de que toda criança leu Lobato, que a escola ou a família apresentou sua obra. No entanto, apesar de ser um clássico, há ainda muita gente que desconhece os detalhes do texto, mesmo que saibam quem é a Emília, por exemplo”, conclui.
Técnicas: como chegar àquela ilustração impactante
De rascunhos e desenhos à mão, em nanquim ou aquarela, às imagens digitais, respingos, dobraduras, cores vibrantes, cores frias, há de tudo um pouco em cada uma das novas edições. Cada profissional escolhido trouxe seu olhar, seu jeito de trabalhar, para conversar com as obras de Lobato, criando assim uma segunda narrativa – um dos importantes papéis das ilustrações, que vão além da representação de uma imagem. Em geral, todos partem de uma seleção das cenas que devem ganhar forma – alinhada previamente entre ilustrador e editores.
Em seguida, esboços de imagens são criados, ajustados e retocados para depois receberem cores, preenchimentos e formas definitivas. Durante esse caminho, há uma pesquisa de referências antigas e atuais, de edições estabelecidas. Pode ainda partir de referências de trabalhos totalmente diferentes – muitos profissionais usam esse processo, por exemplo, para não se contaminarem com o que já foi realizado anteriormente.
Conheça o processo de cada ilustrador:
Veridiana Scarpelli: “Usei o computador para criar imagens como se estivesse desenhando em papel com lápis de cor, depois preenchi e pintei as imagens digitalmente. Para manter a lógica das personagens, esse foi o processo mais adequado. Fiz derivações de cores a partir do projeto gráfico, mas sempre seguindo a paleta de cores pensada.”
Carlo Giovani: “O uso de personagens tridimensionais conversa com o tipo de livro porque criamos fundos de cena, cenários, anteparos de teatros etc.”
Fido Nesti: “Tudo começa com esboços de personagens e ideias para compor as cenas escolhidas para ilustrar a página ou o capítulo do livro. Depois de alguns ajustes, a finalização começa com pincel e nanquim, ainda no papel. As cores são colocadas digitalmente e então seguem para aprovação.”
Daniloz: “Quando tenho que fazer algum trabalho de ilustração, a primeira coisa que faço é ler o texto, porque é dele que virão as principais ideias. Durante essa primeira leitura, várias imagens já se formam e eu alimento esse processo, tomando notas e deixando as ideias correrem livremente: estilos para as ilustrações, atmosfera, paleta de cor etc. Num segundo momento, começo a pensar em termos mais técnicos, ou seja, na execução, pensando na agilidade de uma técnica contra o efeito de outra. Para fazer os desenhos, optei por duas técnicas diferentes: para as ‘medalhas’ redondas que vão no início de cada capítulo, usei nanquim para desenhar as linhas com um pincel e, depois de digitalizar os desenhos finalizados, acrescentei a cor no computador. Já as ilustrações maiores, que acompanham os capítulos, foram desenhadas com nanquim e depois coloridas com aquarela, para terem cores vivas que conversassem ao mesmo tempo com a linguagem mais clássica da história.”
Zansky: “Eu desenho tudo à mão direto no Photoshop, ou seja, no digital. Os desgastes e respingos já são parte do estilo de trabalho que faço. Dão um sentimento tátil e de movimento. A escolha desse processo também tem a ver com o tempo que se tem para a produção das imagens.”